quarta-feira, 11 de junho de 2014

Professor de Passeata

Por Gustavo Nogy*

LIGO A TV: professores protestam contra (ou a favor de) uma coisa qualquer. Protestam por aumento de salários, por auxílio, por férias estendidas, por melhores condições de (preencha aqui a reivindicação predileta). Professores fecham avenidas e impedem o trânsito de milhares de outros que não são professores mas sofrem tanto quanto (ou mais). Professores cheios de dedos apontados na cara da sociedade, e a sociedade é sempre você, somos sempre nós; eles, nunca. Desligo a TV.

Cinco (ou duzentos) anos depois, ligo novamente a TV: professores protestam contra (ou a favor da) a mesma coisa qualquer e mais alguns outros quitutes. Sou capaz de jurar que são os mesmos personagens, congelados no tempo. Trabalham para o estado, detestam o estado, pedem soluções do estado, querem mais estado, adoram o estado. Desligo novamente a TV.

A verdade é que os professores, no Brasil, não ensinam: protestam. Reclamam. Pedem mais isso, pedem mais daquilo. As salas estão cheias (e estão); os salários estão baixos (comparados com tantos outros, há controvérsias); a jornada de trabalho é estafante (pródiga em férias, feriados, licença, faltas abonadas, faltas justificadas, recessos, greves). Mas eles, e só eles, podem dizer à sociedade as verdades todas sem retaliações.

Eu sei que há exceções. Se você faz parte do seleto grupo de exceções, professor, não carece de ficar aborrecido. Mas é isso: as exceções sabem que o são. Não acredito na nobreza intrínseca das profissões. Não há nobreza alguma na medicina, tomada em si mesma, mas sim no exercício bem feito da medicina. Médicos matam tanto quanto doenças.

Advogados podem tornar insuportável a vida de qualquer pessoa, e o único recurso que se tem quando é preciso processar um advogado pelo trabalho mal feito é, desgraçadamente, contratar outro advogado. E rezar. Policiais, quando bandidos, são piores que qualquer bandido stricto sensu. Profissões são papéis sociais. Nobres são, ou não são, as pessoas que as exercem.

Os professores são bons quando ensinam e quando estudam para ensinar. Péssimos quando não ensinam, ou quando ensinam mal, ou quando ensinam os preconceitos que lhes são caros. Entre um zeloso guardador de carros e um professor entusiasta do Paulo Freire, sei em quem devo confiar. Ouço daqui os tambores e os rosnados. Passo bem com isso.

Convivi com professores e, pela última vez, conheço as… para o inferno com as exceções! Mas há tantos outros, e temo que não sejam exatamente uma insignificante minoria, que não fazem outra coisa senão protestar, pedir, exigir, espernear. Escolheram a profissão mas detestam a profissão que escolheram. Reclamam da violência da polícia pregando maoísmo e vestindo camiseta puída do dulcíssimo Che Guevara, que costumava executar com as próprias mãozinhas aqueles que se desviavam do bom caminho. Professor que prega maoísmo merece ainda menos do que recebe.

E eles, com aqueles dedos cheios de ideologia apontados para a cara da sociedade, se comprazem em denunciar as faltas e as mentiras alheias: dos padres, dos papas, dos barões da indústria, dos políticos, dos grandes capitalistas, dos conservadores, dos estadunidenses. Comovente. Mas a singela verdade que ninguém quer contar (eu conto) é que os piores alunos no ensino médio escolhem os cursos de licenciatura no ensino superior. Simplesmente porque é mais fácil o ingresso e mais fácil o gerenciamento de danos. Para eles, “o inferno são os outros”.

*Gustavo Nogy é escritor, tradutor e editor da revista Nabuco

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