quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Líder corajoso ou irresponsável?

Por Joseph L. Badaracco, Jr.*

“Há alguns anos, pouco antes de começar uma aula, achei que tinha cometido um grande erro. Seria uma discussão sobre liderança com um grupo de executivos da diretoria de minha escola, Eram pessoas muito ocupadas, e fiquei imaginando quantos teriam lido o trabalho de casa. A aula era num sábado de manhã cedo, depois de um jantar na véspera, e eu também não sabia se todos estariam despertos. E, pior de tudo, eu havia pedido a esses executivos de mente prática e lógica para lerem um conto pouco conhecido: “The Secret Sharer” (O cúmplice secreto) de Joseph Conrad. Semanas antes, a experiência me parecera interessante, mas agora eu desejava ter escolhido um desses casos tradicionais analisados nas escolas de negócios.

O único aspecto positivo da situação era o conto em si. Ele descreve um homem na sua primeira viagem como capitão de navio. Uma noite, fazendo a ronda, ele deixa que um estranho misterioso suba a bordo. O sujeito diz que acabou de escapar da prisão de outro navio, onde foi injustamente acusado de assassinato. O capitão acredita, esconde o homem durante vários dias, e depois leva o navio para perto de uma costa perigosa para que o estranho possa nadar até a praia.

Iniciei a aula com alguns comentários de introdução e em seguida perguntei: “O que vocês acharam de interessante ou polêmico nessa história?” Meu objetivo era simplesmente fazer algumas pessoas falarem. Várias mãos ergueram-se na mesma hora. Um executivo chamou o capitão de idiota por ter aceitado um estranho no navio, em primeiro lugar. Outro, ex-oficial da marinha, disse que teria se recusado a navegar sob a direção de alguém tão irresponsável.

Agora tinha uma nova preocupação – a de que o debate tornasse por demais unilateral -, mas recorri a um grande executivo, um CEO muito respeitado. Ele olhou em volta e disse: “Aposto que a maioria de vocês já fez coisas semelhantes, e não estariam aqui se não tivessem feito.” Os melhores jovens, ele acrescentou, arriscam-se, testam-se e aprendem com o que acontece. Quando ele terminou, várias mãos se levantaram. Ansiosas para comentar ou discordar.

Passei o resto da aula escutando, em vez de liderar, uma discussão. A conversa tratou de muitas questões importantes. O capitão estava pronto para assumir suas responsabilidades? O que suas atitudes revelam sobre o seu caráter? O grupo estava interessadíssimo, argumentando sobre o capitão e falando de suas próprias experiências. De fato, mais ou menos um ano depois, um colega meu encontrou alguém que tinha participado do debate, e que ainda queria continuar falando sobre o capitão.

O que aconteceu na sala de aula naquela manhã? Por que a discussão despertou tanto entusiasmo? Um feliz acaso sem dúvida ajudou, como em qualquer aula boa. Uma artimanha também favoreceu o debate: os executivos tinha sido induzidos a tratar uma obra de ficção como o estudo de um caso típico de uma escola de negócios. Esse truque foi importante porque muita gente associa literatura com discursos acadêmicos obscuros sobre imagens freudianas ou desconstrução: análises de casos, por outro lado, são ferramentas familiares no ensino da arte de administração.

Mas alguma coisa, além disso, estava acontecendo. O caso do capitão encontrou eco entre os executivos. Nenhum deles havia comandado um navio mercante no Sudeste da Ásia, mas a história que Conrad inventou sobre o que é assumir responsabilidade soava verdadeira. E também levantou várias dúvidas sobre liderança que os executivos reconhecem como críticas, e o fato de estarem inseridas na narrativa os fez pensar nessas questões em termos pessoais. Eles iam e vinham, com facilidade e naturalmente, dos desafios que o capitão tinha de enfrentar para aqueles que encontravam em suas próprias carreiras. A história de Conrad funcionou como um excelente espelho: olhando de perto nosso capitão, os executivos refletiam sobre si mesmos como líderes."


*Texto extraído do livro "Uma Questão de Caráter: como a literatura ajuda a identificar a essência da liderança", de Joseph L. Badaracco, Jr, editora Rocco.

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